segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Crônica: Machado de Assis e as Órfãs de Campinas

Crônica, cedida por Moacyr Castro.
Machado de Assis e as Órfãs de Campinas
Puxa vida! Mas não existe nada melhor do que a leitura de um bom livro. Quanto mais leio e releio, mais agradeço a Deus a ventura de Campinas ter um historiador como nosso mestre José Roberto Amaral Lapa. Inda outro dia, imaginei os quatros conversando: ele, Deus, o cônego Vieira e Machado de Assis. Sim, porque Deus também adora ouvir as histórias do professor Lapa.
Na preciosidade chamada “A cidade, os cantos e os antros”, ele nos conta de quando o cônego Vieira deixou Campinas para ser bispo no Ceará, em 1883. O cônego estava preocupadíssimo com o destino do orfanato para meninas que deixara iniciado. Seis anos depois, lá de Fortaleza, mandava um apelo aos amigos que se encontravam à frente da Provedoria da Santa Casa, para que reativassem o projeto, agora já passados seis anos, quando então a cidade viu o problema assumir proporções alarmantes, com a legião de meninas que a epidemia de febre amarela (1889) atirara à orfandade.
Seu pedido deu resultado, conquanto iniciou-se nova e intensa campanha de arrecadação de fundos, que permitiria a instalação do orfanato. Este movimento produziu uma poliantéia de prosas e poesias de monarquistas e republicanos, personalidades e intelectuais, para ser vendida em benefício daquela causa.
Entre eles, Machado de Assis, com este soneto: “Recolhei, recolhei essas coitadas / Tristes crianças, desbotadas flores, / que a morte despojou de seus cultores, / E pendem já das hastes maltratadas. // Trocai, trocai as fomes e os horrores, / Os despresos e as ríspidas noitadas / Pelo afago dos peitos protetores. / Ensinae-lhes a amar e a ser amadas. // E quando a obra que encetaes agora / Avultar, prosperar, subir ao cume, / Tornada em sol esta ridente aurora, // Sentireis ao calor do grande lume / Tanta ventura que, se fordes tristes, / Jubilareis da obra que cumpristes.”
Campinas inspirava até Machado! Hoje, nem pagodeiro de quinta se anima com esta terra perdida entre forasteiros ora inúteis ora espúrios. O médico Francisco Augusto Pereira Lima assumiu o trabalho e o cônego Manuel Vicente passou às órfãs esta mensagem de esperança: “Sereis consumidoras úteis e produtoras inteligentes; não sereis pesadas à sociedade pelo ócio e pelo vício. Aprendereis a viver do trabalho na paz de uma pureza inalterável, de uma ingenuidade encantadora, para serdes no futuro mães zelosas, ou virgens abnegadas, desprendidas dos prazeres da terra para viverdes da dedicação generosa em prol da humanidade que sofre”.

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